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O impacto da guerra nos mercados financeiros: parte II

2022.3.7 Vítor Ribeiro, CFA

O comportamento dos mercados financeiros em tempos de guerra: quando um evento dramático acontece, é de esperar uma queda dos mercados. Mas a história não reflete bem isso.

 

O comportamento dos mercados nos eventos geopolíticos

O mercado é uma máquina de atualização de expectativas e um indicador avançado do mundo futuro. Por isso, é natural pensarmos que os resultados são algo contra-intuitivos. 

Quando um evento dramático, como uma guerra, acontece, é de esperar uma queda dos mercados. Mas a história não reflete bem isso. Os mercados reagem mais por expectativas do que pelo acontecimento do evento em concreto. 

No entanto, é preciso dizer, a guerra é, por si só, um evento marcadamente incerto. Não sei o que vai acontecer, nem até que ponto o conflito poderá escalar. Aquilo que mais nos afeta é a incerteza, o não saber o que esperar. Num ambiente normal, tentamos prognosticar o futuro da economia, quais os setores que vão crescer mais, quais as empresas com o melhor modelo de negócio. Mas se aparece um evento inesperado, as expectativas alteram-se.

Voltemos à história para contextualizar o momento.

De facto, se formos ver o impacto dos vários eventos de guerra nos mercados, poderemos ter uma surpresa. Durante as duas grandes guerras mundiais, por exemplo, o mercado acionista americano subiu. Lá está, a ideia é olhar para o futuro. Como vai ser a economia depois da guerra? A humanidade já passou por grandes privações, por cenários dantescos de destruição, e a vida prevaleceu. E é este instinto de sobrevivência que prevalece também nos mercados financeiros. Acreditamos que o mundo, amanhã, estará melhor.

Mas analisemos o comportamento do mercado americano e francês durante períodos de guerra e crises geopolíticas.

Estes gráficos, retirados da monografia Geo-economics, the interplay between geopolitics, and economics, and investments, podem dar a falsa sensação de que os mercados sobem quando há guerras. De facto, durante a primeira e segunda Guerras Mundiais, por exemplo, tivemos fortes subidas dos mercados financeiros. Mas será esta uma correlação com causalidade? 

Nenhum evento é igual. Em cada guerra, em cada evento geopolítico, o contexto é diferente. Neste caso, vimos de uma pandemia. A economia está em ainda um modo recuperação, os bancos centrais e os governos estão ainda expansionistas e temos um problema de inflação pela frente. Com mais este choque, o primeiro impacto que vemos é o prolongar da crise energética, as dificuldades logísticas a manterem-se e um novo dilema nos bancos centrais sobre as medidas a tomar. Por um lado, os seus mandatos apontam para o controlo da inflação, mas por outro, temos uma possível recessão pela frente. As sanções económicas impostas à Rússia vão com certeza fazer mossa também nas restantes economias. O mundo económico e financeiro está interligado e é provável haver contágio. 

Para avaliar o impacto destes eventos geopolíticos nos mercados temos obrigatoriamente de olhar para o longo prazo e fazer questões. Este evento vai afetar o crescimento económico potencial no futuro? De que forma vão afetar os resultados e os cash-flows das empresas? Teremos uma mudança permanente ou temporária?

É que os eventos geopolíticos trazem, normalmente, mudanças estruturais.

Veja-se o exemplo das criptomoedas. Com a imposição de sanções tão fortes à Rússia, o sistema monetário e financeiro poderá ser seriamente abalado. Por isso, sistemas alternativos podem ser utilizados para ultrapassar as contrariedades do conflito. As pessoas querem por a salvo as suas poupanças e evitar ao máximo o impacto da forte desvalorização cambial. Nesse sentido, podem tentar comprar bens reais como smartphones, relógios e ouro e moeda ou ativos digitais como NFTs (este evento poderá também precipitar uma ação mais concertada a nível mundial para regular estes e outros ativos, o que não deixa de ser sintomático com a ideia de uma economia menos global e mais controlada).

O impacto dos conflitos e tensões geoestratégicas parece poder ser ainda mais profundo. A reação mundial à invasão da Ucrânia está a ser arrasadora do ponto de vista económico. Não podemos dizer que os mercados vão subir porque nas outras guerras também subiram. Não. Neste caso é diferente. Aliás, é sempre diferente. Até podem subir, pois como já vimos, os movimentos são muitas vezes contra-intuitivos, mas as sanções vão fazer ricochete e colocar a economia mundial em abrandamento e até numa possível recessão. Há uma guerra militar, política e económica em curso.

 

O impacto nos instrumentos financeiros

Outro tema que se coloca é a liquidez dos instrumentos financeiros, como por exemplo com os ETFs. Como é que um ETF de ações de empresas russas cotado numa bolsa alemã ou inglesa pode ser transacionado quando a bolsa russa, onde essas empresas estão cotadas, esta fechada? É claro que muitas dessas empresas estão também cotadas noutras praças, mas nem todas. E o ETF tem de continuar a demonstrar estar a seguir o índice de referência.

O encerramento das bolsas não é novidade. No início da primeira guerra mundial, a bolsa no Nova Iorque esteve encerrada 6 meses. Após a reabertura, o índice Dow Jones subiu cerca de 80%. Mas nessa altura não existiam ETF e outros instrumentos de investimento coletivo tão dependentes da liquidez.

Em relação aos ETFs, outra situação importante é o que vão fazer os provedores de índices. A MSCI, uma das mais relevantes neste setor, decidiu retirar os ativos russos dos seus índices de referência para os mercados emergentes. Quando e se o mercado reabrir, os gestores de ativos vão literalmente despejar os ativos russos, pois têm de os vender para seguirem o índice. Para haver venda, alguém terá de comprar. Se um dos grandes benefícios dos mercados financeiros é a sua liquidez, ou seja, a capacidade de transformar em dinheiro os ativos que detemos, neste caso, a situação não será tão linear. O ajustamento será feito pelo preço e pela insolvência de muitas empresas.

 

A importância do plano e da política de investimento

Todos estes eventos, geopolíticos e económicos, demonstram a importância da carteira diversificada, da correta alocação das diferentes classes de ativos, das expectativas económicas e das preferências e objetivos do investidor. Este é o ecossistema do investidor inteligente, do investidor paciente e otimista. Um ecossistema assente num plano e numa política de investimento. A terra não é plana, os investimentos também não.

Ir atrás apenas do melhor investimento do momento leva-nos a cometer erros, a transacionar em excesso e não aproveitar as oportunidades do mercado e do efeito de capitalização no longo prazo. A transação com base em notícias não nos protege. O plano não é pedra, mas ajuda-nos a tomar decisões. Nesse plano devemos ter investimentos líquidos, de curto prazo, um fundo de emergência seguro e a carteira, ou carteiras, de investimento de acordo com os objetivos que definimos e ajustado ao ambiente económico projetado.

Recentemente, num episódio sobre liquidez do podcast Future Proof Talks, questionei se este conflito entre a Rússia e a Ucrânia poderia ser classificado como um Black Swan, um evento inesperado. Concluímos que não, apesar de, pela sua natureza, conter alguns elementos surpreendentes. Mas há uma conclusão que posso tirar já da minha experiência ligada aos investimentos: os eventos que mais me surpreenderam foram aqueles que nunca tinham acontecido durante a minha vida e que, de alguma forma, tiveram impacto em mim. Alguns até nem foram importantes ou impactantes para a evolução dos mercados, mas a surpresa revela o diferente nível de peso que cada evento provoca em cada um de nós.

Uma inflação descontrolada é um desses eventos. Uma guerra também. Por isso, a carteira de investimento deve conter também a nossa personalidade, as nossas angústias e as nossas ambições. No fundo, a nossa história, sem esquecer que o importante é o futuro e que é para esse futuro que investimos.

 

Ler o artigo completo em O impacto da guerra nos mercados financeiros: parte I

Vítor Ribeiro, CFA
Vítor Ribeiro, CFA

Vítor é um CFA® Charterholder, empreendedor, melómano e com um sonho de construir um verdadeiro ecossistema de investimento e planeamento financeiro ao serviço das famílias e organizações.

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