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Como evitar a ganância

2022.2.28 Vítor Ribeiro, CFA

Aquilo que muitos investidores conseguiram nas últimas décadas, poderá não ser possível no futuro. Pelo menos da forma que pensávamos que seria. Esta capacidade de adaptação é típica dos seres humanos, mas seremos capazes de resistir às emoções fortes da ganância e do medo?

 

O conceito de excesso de poupança

Um artigo recente na Economist, Why the world is saving too much money for its own good, alerta-nos para o excesso de poupança e os problemas que daí advém. 

Há um problema de desigualdade com países e partes da população que conseguiram melhores rácios de poupança e que tomaram melhores decisões de investimento. Pelo contrário, outros não poupam e não beneficiaram do mecanismo de investimento e capitalização.

Com a subida da valorização dos ativos financeiros e reais essa poupança cresceu ainda mais, tendo triplicado em 20 anos, segundo dados da McKinsey, atingindo os 610% do PIB mundial.

Este terá sido um dos principais fatores que tornou possível o desenvolvimento do movimento FIRE (financial Independence, retire early), ou seja, a vontade de uma geração em viver de forma mais livre e descomprometida. Já aqui falamos deste movimento, no artigo a importância da poupança. Surgiu nos EUA e, de uma forma simplificada, procura garantir a independência financeira através de uma poupança agressiva, frugalidade como modo de vida e construção de uma carteira de investimento tendencialmente passiva e alocada ao mercado acionista. É um movimento que testa constantemente a racionalidade, a paciência e o otimismo.

Mas este excesso de poupança não é transversal. Em Portugal precisamos de poupança, precisamos de capital para melhorarmos a economia e as condições de vida atuais e no futuro.

Com a evolução recente de diversos fatores, como a inflação, as taxas de juro e o ambiente geopolítico, mais importante se torna a capacidade de poupança, definindo-a como prioritária. Esta vai ser ainda mais fundamental para a concretização de objetivos e para atravessarmos os próximos anos ao sabor de perspetivas de mais volatilidade, instabilidade e risco na detenção de ativos de qualquer natureza. 

Devemos olhar para a economia de uma maneira global. Ao incentivarmos a poupança junto de países, famílias, indivíduos ou organizações que não poupam, não estamos a destruir a economia, estamos a construir a base de uma economia mais forte e resistente no futuro.

 

A ganância e o medo

O conceito de ganância nos mercados financeiros está muito relacionado com o medo. Aliás, os dois conceitos são vistos como estados emocionais contraditórios que causam imprevisibilidade e volatilidade nos mercados. Quando o sentimento é positivo, os ativos sobem muito acima daquilo que é o seu valor intrínseco. Pelo contrário, se o sentimento for negativo, o medo condiciona a tomada e decisão e os títulos descem para valores muito abaixo do seu valor fundamental.

O investidor inteligente (título do seminal livro de Benjamin Graham) deve assumir uma posição de equilíbrio e de satisfação dos seus objetivos e preferências tendo em consideração sempre o seu estado emocional, experiência, conhecimento, situação financeira e ambiente económico e de mercado. A ganância num portefólio de investimento pode ser bem destrutiva.

A existência de um plano ou de uma política de investimento salvaguarda o investidor destas tentações emocionais. É muito difícil ver outros investidores a celebrar os seus grandes negócios na compra e venda de ativos e nós a mantermos o nosso plano, sem alaridos, com o maior rigor possível. As influências sociais são normais e temos de conseguir lidar com elas. O mesmo acontece nas perdas, mas neste caso, a discrição é maior. Os investidores são normalmente menos expansivos numa situação de perda, mas, tal como detetado por Kahneman e Tversky na Prospect Theory, as perdas causam um impacto emocional maior do que uma quantidade equivalente de ganho – aversão à perda.

Este exemplo retirado da wikipedia, é revelador: 

As perdas são duas vezes mais poderosas, psicologicamente, do que os ganhos. A aversão à perda implica que aquele que perde 500 € perderá mais satisfação do que a mesma pessoa obterá de um lucro inesperado de 500 €.

Nos próximos anos, como já vimos neste artigo sobre o alinhamento macroeconómico e tendências, esperamos retornos mais baixos e maior instabilidade. Teremos de ser menos gananciosos nas nossas ambições. Ou seja, teremos de ter uma atitude mais flexível e condizente com a realidade, controlando melhor o medo e a ganância.

Estas emoções podem, de facto, impedir que tomemos as melhores decisões.

 

Uma estratégia de rebalanceamento para controlar as emoções

Reparem, se o nosso plano indica 30% de alocação a ações, com uma margem de mais ou menos 5%, significa que, se a um dado momento, a carteira está com 40% de alocação a ações, teremos de ter a capacidade de decidir trazê-la para o alvo definido. Esta decisão tem a ver com a nossa estratégia de rebalanceamento. Se a estratégia de rebalanceamento for o famoso buy-and-hold, significa não fazer nada. Ou seja, deixar a carteira flutuar de acordo com o mercado.

Há várias opções de rebalanceamento. Mesmo numa estratégia de buy-and-old, podemos chegar a um dado momento que a idade se torna um fator decisivo para diminuirmos ou aumentarmos a alocação a determinada classe de ativos.

Ao impor alvos na alocação das várias classes de ativo, estaremos a gerir risco contrariando a busca apenas do retorno, que, só por si, pode levar a incorrer em maior risco, desnecessariamente.

 

Atenuar o ruído para evitar a ganância

Não há soluções definitivas. Há, sim, flexibilidade e decisões a tomar. E estas terão de ser de acordo com os nossos objetivos, preferências e restrições e não com aquilo que os analistas ou os jornais dizem. Eliminar o ruído na tomada de decisão é fundamental também para eliminar os efeitos destrutivos que podem ter a ganância e o medo.

Depois há as questões económicas do momento. Quem viveu nas últimas 4 décadas provavelmente pouco saberá de inflação. Vivemos um ambiente de economia “Nice” (non-inflationary, consistently expansionary). Mas agora, é essencial estarmos preparados para uma mudança de paradigma. As taxas de juro baixas, condições geopolíticas instáveis e aumento significativo da volatilidade em instrumentos tradicionalmente mais estáveis (obrigações), significa, de forma nua e crua, que a história não se repete. Mas também significa que nem tudo é mau. Como refere Morgani Housel, “nothing is as good or as bad as it seems” (nada é tão bom ou tão mau quanto parece).

 

Fear & Greed Index

Quando se fala em ganância recordamos de imediato uma célebre frase de Warren Buffett: “Be Fearful When Others Are Greedy and Greedy When Others Are Fearful”. Esta visão de Buffett denota uma certa atitude contrária que o investidor deve ter em determinados momentos de mercado.

Qual a emoção que está a guiar o mercado agora?

O índice de medo e ganância (fear and greed index) ajuda-nos a perceber melhor o que se passa. Através de um conjunto de 7 indicadores técnicos, consegue monitorizar qual vai sendo o sentimento dos investidores. O indicador tem também uma lógica educacional. Sendo os investidores muito emotivos, este indicador serve para contextualizar o momento de mercado e detetar otimismos exagerados ou elevado pessimismo.

Além de máquinas de previsão, os mercados financeiros são máquinas de inteligência emocional. Dissociar a evolução de um ativo de sentimentos como o medo ou a confiança, da capacidade de motivação ou de influência, é negar a essência do comportamento humano.

John Maynard Keynes, numa conferência em Cambridge em 1929, dizia que a riqueza no futuro seria muito maior. O problema económico seria resolvido. Toda a gente teria roupa e comida e dedicaríamos muito mais tempo ao lazer, leitura, família. Talvez o caminho esteja a ser trilhado nesse sentido, mas não estão todos no mesmo caminho. O que aconteceu?

É provável que a ganância e o medo tenham a sua quota parte neste processo desequilibrado. Estaremos preparados para ganhar e consumir menos? Queremos mesmo abraçar a sustentabilidade como modo de vida?

Parece-me que a palavra-chave aqui é: equilíbrio.

Vítor Ribeiro, CFA
Vítor Ribeiro, CFA

Vítor é um CFA® Charterholder, empreendedor, melómano e com um sonho de construir um verdadeiro ecossistema de investimento e planeamento financeiro ao serviço das famílias e organizações.

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