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A sorte e o risco, emoções fortes

2022.2.21 Vítor Ribeiro, CFA

Se é sorte ou azar só o tempo o dirá.

Esta frase faz parte de um conto tradicional que em tempos foi musicado pelos Pé na Terra, uma banda de música folk/tradicional, e contado e adaptado por Ana Lage. Conta a história de um menino, do seu sonho de ter um cavalo e dos diversos acontecimentos que ocorrem na sua vida para atingir esse objetivo. Uns positivos outros negativos, mas com a certeza de que o acaso é uma constante e o tempo é o nosso aliado nesta viagem em busca de objetivos.

O futuro é desconhecido. Após um determinado resultado obtido podemos ficar com a sensação que foi sorte ou com a desculpa que foi azar. Umas das principais funções de um plano de investimento é, precisamente, a de limitar o efeito da sorte ou do azar - até do próprio risco, controlando-o e convertendo-o em resultados positivos ao longo do tempo. No fundo, evitar que sejam as emoções a controlar o processo de tomada de decisão. Este conto alerta-nos precisamente para isso: que não podemos estar dependentes da sorte ou do azar, mas sim do tempo, da paciência e do otimismo em relação ao futuro. Esta é a sabedoria do investidor.

Para quem investiu de forma consistente, paciente e confiante no futuro, as últimas décadas trouxeram sucesso e retornos espetaculares. Mas não foi linear. Tivemos recessões, falências, guerras, bolhas, e até uma espécie de capitulação no mercado. Ou seja, muitos investidores não conseguiram obter os resultados desejados. Porque tomaram decisões erradas? Porque se deixaram levar pelas emoções? Por sorte ou azar? Por terem assumido demasiado risco? 

A nossa é visão é de que, investir nos mercados financeiros não deve ser visto como um jogo ou como momentos especulativos. Explicamos aqui a diferença entre investidor e especulador. São ambos importantes para os mercados financeiros, mas não é o papel do especulador que estamos aqui a defender. Também não é uma prova de fé, que vai correr tudo bem e a sorte estará do nosso lado.

 

Ao sabor da história

A história não se repete, mas nós sim (Voltaire: “History never repeats itself, but man always does”). Estamos constantemente a cometer os mesmos erros e tomar as mesmas decisões. Gostamos de rotinas e ficamos confortáveis com a ideia de controlo. Este controlo é, muitas vezes, olhar para um monitor e assistir às alterações de preço de um determinado ativo. Estaremos mesmo a controlar ou apenas a ocupar o nosso precioso tempo? 

Neste contexto, olhar para a história é importante, pois torna-se um alerta para as consequências da tomada de decisão. Os resultados até podem ser diferentes tendo em consideração o momento, a conjuntura, mas conforta-nos perceber o que aconteceu perante determinado problema. 

Mas o problema vai ser diferente. Nós somos diferentes. O mundo também mudou. A história diz-nos isso. Que cada caso é um caso, e o que foi bom naquele momento pode não o ser agora. Se acreditarmos nisso, que a história se repete, estamos a colocar uma dose extra de sorte e risco no processo de investimento. Além disso, os resultados não dependem só de nós.

Morgan Housel, no livro A Psicologia do Dinheiro, escreve que a sorte e o risco são irmãos. No fundo, significa que muito do que acontece na nossa vida, e nos investimentos também, é fruto destes 2 irmãos. 

Por isso se torna tão difícil tirar resultados bons e imediatos de livros como: Quais as melhores estratégias de investimento? Como ficar rico? Como ganhar na bolsa? Não por serem livros maus ou conselhos errados. Não é isso. É porque aquelas lições, aqueles conselhos não são adequados nem apropriados ao nosso caso específico. São generalidades. E devemos interpretá-las como tal. É possível obter bons retornos investindo no mercado financeiro? Sim, mas uma carteira ótima para a Rita, 41 anos, mãe de 2 filhos e empresária, pode não ser boa para o Pedro, 30 anos, sem filhos e médico.

 

A nossa história de vida e o humor

A nossa relação com o risco tem muito a ver com a nossa história de vida. Daí associarmos o risco à perda, mesmo em relação aos investimentos. Sabemos que a altura em que nascemos, ou lugar onde vivemos e trabalhamos, a escola onde estudamos, as pessoas que conhecemos, influenciam decisivamente o nosso sucesso. Na poupança e nos investimentos também. Só conhecemos a história dos que ficaram milionários com os mercados financeiros, mas não conhecemos os que perderam muito no jogo da sorte e do risco.

O humor também tem influência. Aliás, o humor influencia muitas das decisões que tomamos ao longo da nossa vida. Sobre isto fizemos um podcast onde analisamos o Ruído, livro de Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass Sunstein, onde o humor foi reconhecido como uma fonte de erro. A mesma pessoa, perante a mesma situação pode tomar diferentes decisões conforme o seu estado de humor.

E nos investimentos? Muitas vezes atribuímos o nosso mau humor à evolução dos índices acionistas num determinado dia. Um estudo recente coloca a questão ao contrário: Será que o humor influencia a direção do mercado?

O estudo, de Alex Edmans, Adrian Fernandez-Perez, Alexandre Garel e Ivan Indriawan e designado de Music Sentiment and Stock Returns Around the World, concluiu, com elevada robustez, que quando as pessoas ouvem música alegre, o mercado tem um melhor desempenho, ou seja, um padrão de música alegre num dia significa preços das ações mais elevados no dia seguinte. 

Retirar este efeito provocado apenas por emoções parece ser um verdadeiro fator crítico de sucesso. Mas nem todos vão conseguir. Aliás, talvez ninguém consiga fazer isso totalmente. As emoções são poderosas e o prazer retirado do jogo também.

Não podendo ser racionais, temos de ser razoáveis. É difícil termos uma atitude plena de racionalidade, com regras e formas de atuação para cada situação, eliminando o ruído e os enviesamentos emocionais e cognitivos de cada decisão. Exigir demasiado de nós próprios, elevando em demasia as expectativas, pode significar uma desilusão maior e uma ambição desmedida e inalcançável. Temos de conseguir um equilíbrio que nos permita manter alguma emoção naquilo que fazemos, mas sabendo as implicações desses erros.

 

O efeito disposição no contexto da sorte e do risco

O efeito disposição é um desses erros e está, de certa forma, relacionado com a sorte e com o risco. Originalmente proposto por Shefrin e Statman (1985) com base nos trabalhos desenvolvidos por Kahneman e Tversky (1979), o efeito disposição significa que os investidores tendem a vender demasiado cedo os investimentos que subiram (ganhos) e a manter por muito tempo os que desceram (perdas), tendo como referência o preço de aquisição ou um preço mentalmente definido pelo investidor. Num contexto de aversão à perda, o efeito disposição é um viés emocional em que os investidores estão relutantes em realizar perdas recentes, mostrando-se, assim, disponíveis a aceitar riscos que normalmente não correm. Isto resulta numa ineficiência e numa gradual deterioração do valor. Provavelmente acreditaram na sorte no momento de investir. 

Reparem no caso típico de um investidor avesso à perda que consulta a posição dos seus investimentos numa determinada altura do dia. Ao ver que algumas posições estão com perdas, como vai reagir o investidor? A ideia de perda é tão dolorosa que a primeira reação é manter a posição até as perdas serem eliminadas. O investidor está a agir com base em emoções. Em relação às posições que estão com ganhos, o mais natural é vender para evitar riscos adicionais. 

 

Disposição para perder dinheiro

 

Decidir ao sabor do vento e do momento provoca danos irreversíveis.

 

Seguir determinadas instruções só porque nos dizem para o fazer, mesmo que essas tarefas/dicas sejam ridículas ou perigosas, é uma atitude relacionada com atalhos cognitivos. É a razão pela qual pensamos que um CEO superstar é um excelente gestor, ou um consultor financeiro consegue oferecer sempre bons conselhos de investimento, ou até que os gurus dos mercados têm sempre algo de útil para nos dizer. É difícil separar o conteúdo da sorte e dos diferentes tipos de pessoas e papeis que desempenham. Com certeza existem bons CEO, bons analistas e gurus incríveis, mas não podemos acreditar que são todos assim. 

Apesar de concebidos para nos facilitar o caminho no mundo dos investimentos, os atalhos cognitivos são uma disposição (inclinação) para perder dinheiro. O perigo do efeito de atribuição quando aplicado a CEOs ou analistas ou gurus de investimento ou ao insider de um fórum com a dica mais recente, é que eles estão e são tão mentalmente limitados quanto nós.

Daqui resulta uma grande máxima: Se temos de perder dinheiro nos mercados que seja com os nossos próprios erros. É nos investidores menos sofisticados que o efeito disposição mais se revela.

Dhar e Zhu (2006) realizaram um estudo empírico onde concluíram que, de forma geral, a remuneração, a riqueza, a profissão e a idade do investidor (características apontadas para um investidor mais sofisticado) estão associadas a uma menor presença do efeito disposição.

Os investidores devem saber reconhecer a existência e a grande dificuldade em combater o efeito e, mais especificamente, os comportamentos que o explicam, associados à sorte e ao risco. No processo de tomada de decisão, a organização, o rigor e a investigação (pesquisa) são algumas das formas de atenuar ou ultrapassar estes e outros comportamentos.

Vítor Ribeiro, CFA
Vítor Ribeiro, CFA

Vítor é um CFA® Charterholder, empreendedor, melómano e com um sonho de construir um verdadeiro ecossistema de investimento e planeamento financeiro ao serviço das famílias e organizações.

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